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Vídeos mostram presos em presídio de MG sendo torturados por policiais penais

Imagens foram gravadas por um agente penitenciário que exercia a função de assessor de informações e inteligência prisional

Gravadas por meio de celular por um agente penitenciário do serviço de inteligência do sistema prisional da Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), as imagens de dois vídeos revelam que torturas praticadas por policiais penais de um esquadrão especial do sistema penal do Estado contra detentos eram sistemáticas e seguiam sempre o mesmo ritual. Inicialmente, os presos eram atingidos por chutes e socos na boca, que provocavam cortes, sangramentos e a perda de dentes das vítimas.

Os atos de violência sempre eram concluídos com a aplicação nos presos pelos servidores da prática conhecida no país como “mata leão”, um golpe de arte marcial originário do Japão que consiste no estrangulamento e na consequente perda de respiração do opositor.

Documentos obtidos pelo serviço de inteligência mostram que a aplicação desses golpes tinha o objetivo de provocar desmaios nos presos. Segundo os laudos e depoimentos, pelo menos 10 presos teriam ficado inconscientes. As práticas de tortura física e psicológica foram praticadas contra detentos da Penitenciária de Nelson Hungria (o maior centro de detenção em Minas), localizada em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte.

A investigação, baseada em vídeos, documentos confidenciais e depoimentos, que resultaram em um relatório de 70 páginas, aponta que os atos de violência foram cometidos pelo esquadrão especial denominado Grupo de Intervenção Rápida (GIR), subordinado à Sejusp.

Denúncias documentadas

Vídeos, obtidos com exclusividade pelo blog VainaFonte, mostram cerca de dez presos dos anexos 1 e 2 em um espaço conhecido como “gaiola”, sofrendo extrema violência por aproximadamente 25 minutos. As imagens capturam cenas de detentos sendo agredidos com “mata-leão” – até perderem a consciência –, socos que resultaram na perda de dentes, e chutes enquanto eram interrogados sobre supostas drogas. Em uma dessas situações, os presos aparecem nus e acuados, implorando em lágrimas para que as agressões fossem interrompidas.

Os vídeos foram gravados pelo agente penitenciário Denis Freitas Silva, que exercia a função de assessor de informações e inteligência prisional. Os depoimentos e documentos mostram que o agente resolveu gravar as imagens por conta própria ao ser escalado para acompanhar o GIR em uma operação para descobrir drogas no presídio.

Apesar de o servidor ter encaminhado as imagens a seus superiores à época, a direção do presídio somente abriu sindicância depois de os advogados dos presos terem protocolado a denúncia. De acordo com documentos anexados ao relatório, a fim de ocultar a omissão, a direção do presídio adulterou as datas dos atos. O relatório acusa ainda os diretores de terem conhecimento de algumas sessões de tortura. Segundo a denúncia, outras quatro sessões de tortura ocorreram no período de um ano antes das filmagens.

Ações administrativas

Em nota, a Sejusp informou que o Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) tomou conhecimento do relatório e adotou providências administrativas. O caso tramitou na Corregedoria da Secretaria, culminando, em outubro de 2023, na demissão de dois servidores e suspensões que variaram entre 15 e 90 dias para outros seis. Um dos afastados foi o autor das imagens, acusado de omissão por não tentar impedir as torturas.

“Reiteramos que a Sejusp não compactua com desvios de conduta de seus profissionais. Todas as situações de desvio são acompanhadas com rigor, e as medidas administrativas cabíveis são adotadas no âmbito do devido processo legal, resguardando sempre o direito à ampla defesa e ao contraditório”, declarou a Secretaria em nota oficial.

Envolvimento do “01 do GIR”

De acordo com o relatório, as práticas abusivas estavam vinculadas a uma equipe de dez agentes coordenada pelo policial penal Paulo Henrique Vieira Boaventura, conhecido como “Cara Limpa” ou “GIR do Mal”. Esse apelido refere-se às suas supostas ações violentas e à temível reputação entre os presos. Diferentemente de outros membros da equipe, ele não utilizava capuz, sendo facilmente identificado pelas vítimas. Ele foi um dos identificados pela prática de tortura e atos de violência que aparecem no vídeo.

Certo da impunidade, Boaventura gravou cinco mensagens em uma rede WhatsApp interna da prisão. Em uma delas, tenta intimidar o agente que gravou as imagens. Em outra, revela a proposta de transferência que lhe teria sido feita pela direção do presídio para sair impune. De fato, Boaventura foi afastado do GIR, segundo o relatório, que revela também que a maior parte das vítimas eram réus primários que não haviam sido detidos anteriormente.

É o caso do detento Edivan Basílio, que relatou ter sido agredido com um soco na boca pelo policial Paulo Henrique Boaventura. Segundo o Boletim de Ocorrência Interna (BOI 3031), o policial justificou o uso de “força diferenciada” para conter uma suposta resistência. No entanto, análises posteriores apontaram inconsistências na documentação oficial, como erros na datação dos boletins. O boletim foi feito com data de cinco dias antes das agressões.

Basílio descreveu outras agressões: “Fomos levados até as celas onde estavam nossos pertences. Depois de uma conversa, eu e meu colega sofremos socos na boca, o que cortou minha gengiva. Já que a gente sangrava muito, fomos levados à enfermaria, onde fomos medicados, como se fosse brigas de presos”, narra Basílio. A sequência de agressões, segundo o detento, não parou por aí. Após retornar à cela, ele relata ter sido novamente atacado: “O 01 me enforcou até eu desmaiar. Acordei com ele jogando água para me despertar.”

Impacto e consequências

O relatório produzido pela Assessoria de Informação e Inteligência Prisional detalha a gravidade das ações, destacando provas contundentes, como vídeos e depoimentos. O uso pela polícia do golpe “mata-leão”, que, além de provocar a morte por falta de ar, pode deixar o adversário tetraplégico, tem sido questionado no mundo todo. Em São Paulo, por exemplo, o ex-governador João Dória (PSDB) proibiu a polícia de utilizá-lo em 2021. Isso exemplifica que tais práticas relatadas violam princípios fundamentais dos direitos humanos, como a dignidade e a integridade física e psicológica, expondo falhas graves na supervisão das atividades dos policiais penais.

Um sistema em Crise

Embora a Penitenciária Nelson Hungria seja descrita como uma “prisão cinco estrelas” devido à sua infraestrutura, casos como esse revelam uma realidade alarmante. A situação é agravada por históricos de corrupção, como o esquema investigado pela Polícia Federal em 2020, que desvendou a venda de vagas na unidade por R$ 50 mil.

O episódio da tortura deixa muitas perguntas sem respostas. Por que o agente Denis, ao invés de promovido, foi penalizado? Como poderia evitar a prática dos atos do GIR? Se tivesse tentado, certamente roubariam seu telefone celular, e ele não teria como provar os abusos. Isso induz a acreditar que a direção do presídio, conivente, não queria que o escândalo chegasse ao conhecimento público.

Rodrigo Lopes

Rodrigo Lopes trabalhou na TV Record, O Globo, Correio Braziliense, Hoje em Dia, Jornal do Brasil, IstoÉ e Estado de Minas. Foi vencedor do Prêmio Esso e do Prêmio Vladimir Herzog, com salário dos deputados estaduais em 2001 pelo Jornal Estado de Minas, e ganhador do Prêmio Esso Mensalão Tucano em 2005 pelo O Globo

Amaury Ribeiro JR

Amaury Ribeiro Jr, um dos maiores vencedores dos prêmios Esso de Jornalismo e Embratel, autor do best-seller "A Privataria Tucana", "O Lado Sujo do Futebol" e "Poderosos Pedófilos", trabalhou no O Globo, Folha de São Paulo, TV Record, Jornal do Brasil e foi editor da IstoÉ.

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9 Comentários

  1. Um dos objetivos de um sistema prisional é recuperar detentos.
    Não será com práticas de tortura que esse objetivo será alcançado!
    Lamentável que tais práticas continuem sendo rotineiras país afora!
    Não há dúvidas que essas torturas praticadas por agentes públicos são resquícios de um período tenebroso na história do Brasil, a Ditadura!

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  3. Já estão preso e apanhando no presídio?Sem necessidade disso,e o policial que filmou ainda é afastado por filmar?Se ele não tivesse filmado ninguém estava sabendo o que acontece por trás do presídio.

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