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As imagens reveladas da Penitenciária causaram indignação, mas as medidas tomadas revelam a sensação de injustiça

Torturas na Nelson Hungria e sindicância interna que investigou o caso interno

Tão graves quanto as imagens de tortura praticadas contra os presos na
Penitenciária Nelson Hungria, localizada em Contagem (MG), foram as
medidas que a direção do presídio tomou após a sindicância interna que
investigou o caso.

Quem lê com atenção o relatório de 70 páginas produzido pela Assessoria de
Informação e Inteligência Prisional (AIIP), órgão do Departamento Penitenciário
de MG (Depen), ambos responsáveis pelas investigações, não terá dificuldade
em perceber que o conjunto dessas medidas transformou o horroroso episódio
em um enrustido caso de impunidade.

A mais absurda dessas medidas foi a suspensão do agente da AIIP Dênis
Freitas Silva que, por meio de seu celular, filmou os atos de torturas praticados
por um esquadrão especial do Depen denominado Grupo de Intervenção
Rápida (GIR).

Dênis disse ter resolvido filmar os atos ao ser escalado para acompanhar o
GIR em uma operação para localizar drogas no presídio. Segundo os seus
superiores, os vídeos foram encaminhados uma semana depois à direção da
penitenciária.

Motivo da punição: Dênis deveria ter tentado impedir a ação do violento grupo.
É isso mesmo que você leu. Não precisa ser um gênio para se chegar à
conclusão de que, se tivesse feito isso, certamente o agente seria atingido por
um “mata-leão”, o mesmo golpe de estrangulamento que os membros do GIR
usavam para deixar os detentos inconscientes.

Certamente, lhe roubariam o celular e certamente Dênis não teria como provar a tortura sistemática.
O que causa ainda mais espanto é que a cúpula do Depen de Minas tinha
consciência de que Dênis havia sido ameaçado de morte, segundo o relatório,
pelo chefe do GIR, Paulo Boaventura, em um grupo de Whatsapp interceptado
pela AIIP.

A cúpula do Depen, de acordo com o mesmo relatório, composto por provas
documentais, depoimentos e laudos, sabia que os agentes do GIR feriram, com
um tiro na cabeça, outro servidor que tentou entrar no caminho do letal
esquadrão. A cúpula do presídio tentou justificar os ferimentos como uma
tentativa de suicídio, o que acabou sendo desmentido por laudo médico.
Provável recado que a cúpula quis dar aos demais funcionários: quem revelar
alguma irregularidade, vai ser punido.

E por quê? A resposta está no próprio relatório. Alguns diretores do presídio
sabiam das denúncias de tortura e chegaram a presenciar alguns desses atos.
Segundo relatório do Conselho Estadual de Direitos Humanos de MG
(Conedh), foram registradas, em 2023, 775 denúncias de tortura, um aumento
de 22% em relação ao ano anterior.

Esses números mostram que a tortura por estrangulamento e espancamento
atinge os outros presídios de Minas e que o sistema penitenciário está falido no
estado. Se o governo agisse com o mínimo de bom senso, toda a cúpula do
presídio Nelson Hungria e do Depen teria sido demitida.
O servidor que foi ferido na cabeça foi transferido para o Presídio de Bicas e
passa bem. Ninguém soube me informar sobre o paradeiro de Dênis, o agente
punido e ameaçado de morte por fazer a denúncia.

Amaury Ribeiro JR

Amaury Ribeiro Jr, um dos maiores vencedores dos prêmios Esso de Jornalismo e Embratel, autor do best-seller "A Privataria Tucana", "O Lado Sujo do Futebol" e "Poderosos Pedófilos", trabalhou no O Globo, Folha de São Paulo, TV Record, Jornal do Brasil e foi editor da IstoÉ.

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