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Marçal surpreendeu favoritos e mudou rumos da eleição em SP

Azarão esvaziou Datena, rachou base de Nunes e obrigou Boulos e Tabata a subirem tom para enfrentá-lo

A eleição de São Paulo mal havia começado quando o candidato do nanico PRTB mostrou que iria dar trabalho. Com sotaque goiano e retórica de coach, Pablo Marçal roubou a cena no debate da Band. Sua agressividade pôs os rivais na defensiva e atraiu as atenções da imprensa e das redes. Em pouco tempo, ele obrigaria as demais campanhas a reverem suas estratégias.

“Confesso que não sabia quem era o Marçal quando cheguei para fazer a campanha ” reconhece Pedro Simões, marqueteiro de Tabata Amaral (PSB).

“Nosso planejamento só previa duas candidaturas competitivas: a do atual prefeito e a nossa. Depois que o Marçal começou a subir, levamos uma semana para ajustar a linha da campanha” conta Josué Rocha, chefe do comitê de Guilherme Boulos (PSOL).

A primeira vítima de Marçal foi José Luiz Datena (PSDB). O apresentador de TV largou próximo dos favoritos. Quando o coach despontou, seus índices entraram em queda livre. Na avaliação de políticos e estrategistas tucanos, Marçal se apropriou do papel de outsider e capturou o voto antissistema que flertava com a candidatura de Datena.

“É duro dizer isso, mas esse cara foi muito eficiente. Ele conseguiu capitalizar a frustração e a descrença com a política a seu favor” analisa o ex-senador José Aníbal, candidato a vice-prefeito na chapa do PSDB.

O passo seguinte do coach foi avançar sobre o eleitorado de Ricardo Nunes (MDB). O prefeito projetava uma campanha tranquila, em que não precisaria de muito esforço para chegar ao segundo turno. Foi surpreendido com o aparecimento de um adversário direto no campo da direita.

O emedebista viveu três semanas de tensão entre o debate da Band, em 8 de agosto, e o início da propaganda em rádio e TV, no dia 30.

” Até a estreia do horário eleitoral foi mais difícil, porque Marçal tem praticamente um monopólio das redes sociais” comenta Baleia Rossi, presidente do MDB e coordenador da campanha de Nunes.

Bolsonarismo em disputa

Com público fiel nas redes, Marçal buscou se vender como o candidato mais alinhado às bandeiras de extrema direita empunhadas por Jair Bolsonaro. Deu certo. Na terceira semana de agosto, ele já havia ultrapassado Nunes entre os eleitores do ex-presidente. Em levantamento divulgado no dia 22, o Datafolha mostrou que Marçal tinha 44% das intenções de voto entre os bolsonaristas. O prefeito havia recuado para 30% no mesmo segmento.

Os números abriram uma crise no QG de Nunes. Aliados do ex-presidente, que já acusavam o prefeito de esconder sua imagem, passaram a se queixar publicamente da condução da campanha.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro espalhou sinais ambíguos sobre a eleição de São Paulo. Em meados de agosto, ele fez elogios a Marçal e disse que Nunes não era o “candidato dos sonhos”. Alertado de que poderia perder o controle sobre a direita radical, mudou o tom e passou a tratar o coach como um oportunista sem compromisso com seu projeto político.

O vereador Carlos Bolsonaro ensaiou uma trégua, mas o ex-presidente se manteve distante da disputa paulistana. Nos últimos dias, deputados que o apoiam, como Ricardo Salles (Novo-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Marco Feliciano (PL-SP), passaram a pedir votos abertamente para Marçal.

No campo progressista, a primeira reação ao crescimento do coach foi de perplexidade. A campanha de Boulos hesitou em enfrentá-lo diretamente. A avaliação era de que não valia a pena sair do roteiro propositivo, calculado para reduzir sua rejeição, e “dar palanque” a um franco-atirador.

Enquanto o PSOL discutia o que fazer, Tabata foi ao ataque. Numa série de vídeos produzidos para a internet, a candidata explorou a condenação de Marçal e buscou ligá-lo ao crime organizado.

Nas palavras de um dirigente petista, a ofensiva de Tabata gerou um “curto-circuito” na campanha de Boulos. Apoiadores do deputado passaram a cobrar respostas mais incisivas aos ataques do coach.

Sob pressão, Boulos endureceu o discurso e organizou um ato “pela democracia e contra o bolsonarismo” na Praça Roosevelt, tradicional reduto da esquerda paulistana. A reação não atraiu novos apoios, mas ajudou a dissipar o clima de pânico com a subida do azarão.

Ao longo de setembro, a política tradicional usou suas armas para conter o candidato do PRTB. Impulsionado pelo controle da máquina e pela presença massiva no horário eleitoral, Nunes conseguiu recuperar fôlego nas pesquisas.

Sua campanha reservou boa parte do tempo na TV e no rádio para divulgar investigações policiais contra Marçal. Em outra frente, Nunes e Boulos foram à Justiça e ganharam sucessivos direitos de resposta nas redes do influenciador.

Depois da cadeirada

Na noite de 15 de setembro, os paulistanos assistiram ao lance mais surpreendente da eleição até aqui. Em debate na TV Cultura, Datena se destemperou com as provocações de Marçal e o agrediu com uma cadeirada.

O coach deixou a emissora numa ambulância, onde se deixou filmar com uma máscara de oxigênio no rosto. Dias depois, ele admitiria que seus aliados quiseram “fazer uma cena”.

O episódio desgastou a imagem do candidato do PRTB, mas ele voltou a crescer na reta final da campanha e chega à véspera da eleição com fortes chances de ir ao segundo turno.

Independentemente do resultado das urnas, a presença de Marçal mudou o rumo da campanha e abalou antigas certezas da política, como a utilidade de montar grandes coligações partidárias para garantir mais tempo na TV.

“Hoje me parece que a maioria dos candidatos subestimou o potencial de Marçal” diz Pedro Simões, marqueteiro de Tabata. A ideia de não rebater os ataques para não dar palco estava errada. Ele já tinha o maior palco de todos, com 12 milhões de seguidores nas redes.

Violência tumultuou debates e fez TV aparafusar cadeiras no chão

Sem acesso ao horário eleitoral, Pablo Marçal (PRTB) apostou nos debates para chamar a atenção e furar a bolha das redes. Seu estilo virulento tirou os oponentes do sério e ajudou a transformá-lo no assunto da campanha.

O coach levou para os estúdios de TV as armas que o notabilizaram na internet. Atropelou regras, fez acusações sem provas e distribuiu ofensas e apelidos para irritar os concorrentes.

No debate da TV Cultura, Marçal chamou José Luiz Datena (PSDB) de “Jack”, uma gíria das cadeias para presos condenados por crimes sexuais. O apresentador se descontrolou e o agrediu com uma cadeirada.

No debate seguinte, a RedeTV! anunciou uma medida inusitada. Além de espalhar seguranças pelo estúdio, mandou aparafusar no chão as banquetas usadas pelos candidatos.

“Faço debates eleitorais há dez anos. Pela primeira vez, acordei com as costas travadas” conta a jornalista Amanda Klein, escalada para mediar o programa.

Ela precisou gritar diante das câmeras para interromper um bate-boca entre Marçal e Ricardo Nunes (MDB). O pito funcionou, e o debate prosseguiu sem maiores incidentes.

Depois do primeiro episódio de agressão, as emissoras adotaram regras mais rígidas para conter a agressividade dos candidatos a prefeito. Mesmo assim, a violência voltou a irromper no debate promovido pelo grupo Flow.

No último bloco, Marçal foi expulso após levar três advertências do jornalista Carlos Tramontina. Em seguida, seu cinegrafista Nahuel Medina deu um soco no rosto do marqueteiro Duda Lima, responsável pela campanha de Nunes.

“Organizo debates desde 1989 e nunca havia visto nada parecido ao que está acontecendo. Jamais imaginei que precisaríamos prever a expulsão de candidatos que descumprem as regras acordadas com as campanhas” diz o diretor de jornalismo da Band, Fernando Mitre.

Autor do livro “Debate na Veia”, em que narra bastidores de embates históricos, o jornalista afirma que a lógica das redes mudou a dinâmica dos programas e o comportamento dos candidatos.

“Muitos vão ao debate mais preocupados em produzir cortes para a internet. Hoje o debate mal começa e já está sendo editado para circular nas redes” observa.

Há duas semanas, Marçal surpreendeu no debate do SBT ao pedir perdão ao eleitor. Ele disse não ser “palhaço” e prometeu que as baixarias ficariam para trás.

“A partir de agora, você vai ver alguém que tem postura de governante” jurou.

As desculpas não convenceram os demais candidatos, que o acusaram de encenar humildade para tentar reduzir seus índices de rejeição.

Na noite de quinta, Marçal começou o debate da TV Globo em tom mais propositivo. Guilherme Boulos (PSOL) percebeu a tática e debochou do novo figurino.

” Ele tumultuou a eleição inteira, agrediu, mentiu e agora quer posar de bonzinho, né? É um lobo em pele de cordeiro” disparou.

Bernardo Mello Franco, O Globo

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